Porque ouvir “Comedown Machine” do The Strokes?

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*Wesley Barreto

Em primeiro lugar, partirei do princípio de que você, leitor do blog, ao menos conhece a banda. Mas, se você passou a última década sem acompanhar o que acontecia no cenário do rock mundial, The Strokes é uma banda nova iorquina formada pelo quinteto Julian Casablancas (cantor e gênio por trás de maior parte das composições), Albert Harmmmond Jr (que além do Strokes, tem um trabalho solo interessante), Nick Valensi, Nikolai Fraiture e Fabrízio Moretti (Brasileiro, integrante do Little Joy, e ex-namorado da Drew Barrymore).

E o que essa banda tem de tão excepcional? Bom, eles já começaram com o que seria, em minha opinião, seu melhor álbum, Is This It (2001), alcançando sucesso de crítica e vendas. O álbum flui de forma incrível, levando você em uma viagem sobre questões tão particulares, mas que de certa forma são tão genéricas, como uma briga em um relacionamento ou o sentimento de que se está envelhecendo. Músicas como Last Nite, The Modern Age e New York City Cops figuram entre minhas preferidas da banda. Entretanto, isso não quer dizer que os outros trabalhos sejam ruins. O segundo CD, Room on Fire, ainda numa levada rock de garagem que marcou tanto o primeiro álbum, é excelente, mas carregou o peso de ser a segunda obra de uma banda com um começo meteórico. Minha principal crítica a ele é que, durante a execução, ele perde um pouco do fôlego. Não que o primeiro cd não tenha músicas não mais tranquilas (Soma pode servir como exemplo), o problema aqui é que a sequência delas no meio do álbum faz que ele desanime um pouco para agitar no final, mas nunca perdendo a qualidade das composições.

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A terceira obra de estúdio da banda, First Impressions of The Earth, mostrou que banda queria, de certa forma, inovar seu trabalho criativo. A primeira oitiva do álbum soa estranha. O começo, com You Only Live Once, entrega de cara que o CD não seria igual a nenhum dos outros, principalmente com a pesada Juicebox que a segue. Vê-se claramente aqui que o Strokes não era mais a mesma banda de Is This It, o que não chega a ser ruim. Em cinco anos muita coisa muda na vida de uma pessoa, incluindo suas influências. Mesmo com a mudança de sonoridade, as composições, que eram de um cunho mais centrado em relações cotidianas, evoluem e passam aqui a tecer relações com o mundo em geral. Em vez de problemas que ocorriam, por vezes, apenas entre duas pessoas, os problemas agora são em relação ao mundo, como ele te vê e como você se insere nele. Num dos trechos que eu mais gosto, em Ize of the World, Julian diz: “Seria eu um prisioneiro dos meus instintos, ou os meus pensamentos apenas vivem livres e vigiados, como barcos no cais?”, num contexto de uma música que fala sobre as obrigações que a sociedade espera de você.

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Depois de pausa da banda, projetos paralelos, e ansiedade por parte dos fãs, os Strokes lançam seu quarto CD, cinco anos depois do anterior. Angles é, para muitos, o pior álbum da banda. A sonoridade, antes marcada pelo instrumental de forma muito significativa, soa, de certa forma, computadorizada demais. Demais. Novamente, há músicas muito boas no trabalho, como são Under Cover of Darknesse Taken For a Fool. O maior problema pra mim aqui é tentar encontrar os Strokes de 2001 debaixo de tantas distorções, e você precisa de um pouco de atenção pra perceber que a faixa Metabolism indica justamente a mudança que já vinha acontecendo na banda, mas aqui nos atinge com muito mais força. Enfim, treze anos depois de sua estreia, finalmente chegamos ao quinto álbum doStrokes. Voltando à questão que intitula esse post, porquê você, leitor que até a pouco não conhecia a banda, ou mesmo os que já conheciam, mas não tinham um contato próximo com o trabalho, deve ouvir Comedown Machine? A primeira, e eu espero que óbvia, resposta é porquê, sendo o Strokes uma banda que tem um background tão rico, é obrigatório aos apreciadores da música ao menos espiarem o álbum. Mas a questão aqui é, sobretudo, o que você vai encontrar nessa espiada.

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O CD começa com Tap Out. Se a gente olhar com atenção o próprio histórico da banda, as músicas de abertura sempre são fundamentais para definir o conceito do trabalho em geral. Is This It, What Ever Happened, You Only Live Once e Machu Picchusão, de certa forma, marcantes em todos os CDs anteriores. A pergunta aqui deve ser: o que Tap Out quer nos indicar sobre o álbum? Em primeiro lugar, que a sonoridade do CD não vai ser igual a nenhum dos seus antecessores. O riff de entrada é legal, a batida da música trás as duas guitarras de forma independentes e o tom de Julian soa diferente, principalmente devido ao vocal duplo, mas é a própria letra que faz questão de dizer que Comedown Machinee a banda, não vão se moldar pelos projetos anteriores. “Decida meu passado. Defina minha vida. Não faça perguntas. Pois eu não sei o porquê.”. Que forma melhor haveria de dizer que a banda não traria um trabalho igual a nenhum outro, e ainda que eles não vão explicar o motivo? Tap out é, em si, uma resposta à pergunta que ainda vai ser feita sobre as direções artísticas do álbum. All The Time, segunda música do CD e uma das primeiras a serem liberadas, já com direito a clip (com imagens do Brasil, diga-se de passagem), é uma das melhores do álbum, e essa sensação pode ser devido ao fato de que ela é uma das que mais se aproxima do som “original” da banda. Ela caberia em qualquer dos álbuns anteriores, mas tem nesse CD um significado maior do que teria nos outros. O fato da banda querer inovar em sua própria introspecção não significa que eles não saibam mais fazer o que os levou ao sucesso. O fato dela vir justamente depois da música que nos fala sobre mudança indica que a produção do CD pensou justamente naqueles que acham que a banda deveria ser a mesma sempre. Em seguida vem One Way Trigger, uma das músicas mais distante de tudo que osStrokes já fizeram, mas não estranha a quem acompanhou o trabalho solo do Julian Casablancas, Phrazes For The Young (2009), do qual eu, particularmente, não sou muito fã. Ela foi a primeira música do álbum a ser disponibilizada, o que assustou um pouco justamente pela distância dos trabalhos anteriores. Há, acreditem, quem compare a música com o tecnobrega de Gaby Amarantos, eterna Beyoncé do Pará. Inicialmente eu não curti a música, e sempre a tinha visto como a pior do CD. Pode parecer estranho curtir tanto a banda, enquanto não sou fã do trabalho solo da pessoa responsável pelo sucesso dela. O que acontece é que Julian, a meu ver, é excêntrico demais. Nesse contexto, a banda acaba por focar a excentricidade dele num trabalho mais harmônico, função atribuída, em especial, a Albert Harmmmond Jr, coautor de várias das músicas. O mesmo fenômeno acontece, com as devidas proporções, com o The Killers e o trabalho solo de Brandon Flowers. É preciso, em verdade, paciência e atenção com a música. A letra é uma das que eu mais gosto no álbum, e fala como duas pessoas estão em fases diferentes de um mesmo relacionamento: “Eu não quero estar lá com você, querida, não. Eu não quero estar lá sem o seu amor também.”. Mesmo assim, não tem como não estranhar a voz de Julian soando aguda e, às vezes, forçada demais no refrão. Resumidamente, é uma boa composição, mas cujas distorções e vocais não se encaixam de forma satisfatória. Welcome To Japan, quarta música do álbum, consegue ser, sobretudo, divertida. Detalhes como trechos que são ditos, e não necessariamente cantados, se encaixam perfeitamente na faixa. Pequenas nuances como “Ei, nós vamos tocar… Apareça” e “Que tipo de idiota dirige um Lotus” fazem com a música soe, de certa forma, irônica. Entretanto, o detalhe que eu mais gosto em Welcome To Japan é a quebra de ritmo no meio para dar passagem a melhor parte da música. Os dois ritmos aqui coexistem de forma tão harmônica que não dá para imaginar um sem o outro. Ter que observar esses detalhes, que às vezes passam despercebidos, são essenciais para que a música consiga se destacar. Continuando, 80’s Comedown Machine, que significaria aproximadamente Máquina do Tempo dos Anos 80, é a mais cansativa do CD. A música, que tem esse lado de baladinha romântica anos oitenta, é longa e, de certa forma, repetitiva demais. Por mais bonitinha que seja, a música, que fala sobre uma decepção amorosa de forma bem melódica, não empolga o suficiente, e os cinco minutos de execução parecem se arrastar. Como se pode ver, nem tudo aqui é perfeito. Se All The Time se encaixaria perfeitamente em qualquer um dos CDs dos Strokes, 50/50 parece sair diretamente de First Impressions Of The Earth. Quase que em uma tentativa de agitar o espaço deixado pela música anterior, 50/50 parece ser tudo que sua antecessora não é. Enquanto uma é a maior do álbum e desnecessariamente lenta demais, a outra, com apenas dois minutos e quarenta e três segundo (menor do CD) tem um dos melhores instrumentais de todo o trabalho, além de ter o refrão mais contagiante. A faixa subsequente é uma das minhas favoritas, não só pela batida, que alterna e sobrepõe as guitarras de forma extremamente coerente, mas pela composição em si. A meu ver, Slow Animals, que significa literalmente Animais Lentos, seriam os pais que não conseguem entender as mudanças de sua geração para a dos filhos. Eu vejo a música como se ela fosse feita para alguém, necessariamente uma mulher, jovem, que tem medo dos pais descobrirem que ela já fez sexo. É o tipo de composição específica destinada a alguém que só Julian vai saber quem é, comoTaken For a Fool, em Angles. Fica a interrogação, o que não faz com a música perca seu significado, pelo contrário, voltamos aqui àqueles casos em que o específico pode ser genérico. Bom, depois de várias músicas que estão entre as minhas favoritas, Partners in Crime é, de fato, a que eu mais gosto. A combinação que sempre fez a banda merecer atenção (composições + instrumentais) se faz presente aqui de forma tão excepcional como em nenhuma das outras músicas. E, se Slow Animals vem especificadamente para uma pessoa, Partners in Crime parece dialogar diretamente com o ouvinte, como se te convidasse, adivinhem, para um crime. A música é incrivelmente divertida, além de ter uma batida leve e contagiante. A letra, apesar de conter algumas coisas que não fazem sentido, como “um tigre de calças”, é legal justamente por você não ter todas as informações sobre o crime em si. De certeza mesmo, só temos que a invasão ocorre hoje, que deveríamos fugir e que precisamos de um advogado. É justamente da incerteza da letra, somada à certeza de que, qualquer seja o crime, nós, ouvintes, participaremos, que mora o elemento que faz a música ser tão legal. Uma das críticas que eu mais ouço em relação aos Strokes é de como o tom de voz do Julian mudou do começo da banda até hoje, e Chances é uma das músicas que mais demonstra isso. A música é outro exemplo de batidinha romântica anos 80 e a voz de Julian soa estranha novamente, em especial quando ele diz “little girl”. Mas, estranho aqui não quer dizer ruim, mas sim suave, daí a principal mudança de tom. Se olharmos os trabalhos mais antigos do Strokes, é mais que perceptível a voz meio rouca e ríspida que marca tanto os primeiros CDs. Ouvi-la aqui tão suavizada causa estranheza, mas demonstra qualidade, o que é de fato o mais importante. Pra completar, a letra é quase poética, e fala, novamente, sobre uma decepção amorosa. “Eu arriscarei minha sorte sozinho. Ponha-se no seu lugar e vá embora”, deixa a clara sensação de que a música fala sobre o término de relacionamento. Dizer que “a angústia adolescente vem em todas as idades” é a ideia de Happy Ending, penúltima música do álbum. A angústia aqui vem da indecisão em certas escolhas da vida, nas quais você precisa de um conselho. Todo mundo tem aqueles com quem podemos contar para as escolhas mais difíceis, ou, nas palavras de Julian, “todos precisam de uma sombra”. Por fim, o álbum se encerra com Call it Fate Call it Karma e, se One Way Trigger é diferente das demais obras da banda, os Strokes nunca se afastaram tanto de si mesmos como nessa música. Novamente, dizer que não lembra NADA do que eles já tenham feito significa necessariamente dizer que é uma faixa ruim. Em primeiro lugar, a música tem um significado totalmente diferente se você a ouve com um fone de ouvido, em vez de nas caixas de som. A proximidade causada pelos fones é imprescindível para o significado e sentimento que a música trás. Quem já ouviu o trabalho do Moretti com o Little Joy vai perceber aqui a mesma vibe melódica, mas com o diferencial de que a voz de Julian funciona como um complemento para a melodia, e não o contrário. Trabalho excelente por parte da banda, que traz aqui um sentimento que de certa forma remete à vibe praieira do Little Joy, mas que aqui consegue ser ainda mais significativo. O destino, ou carma, a que o título faz referência se trata de um relacionamento fadado a dar certo, por mais que a outra pessoa ainda não saiba disso. E o que encerrar 80’s Comedown Machine com uma música como Call it Fate Call it Karma significa? A resposta, dada pelo conjunto da obra, é que não se pode esperar dos Strokes um trabalho que seja igual ao que banda fazia quando começou. Finalizar o álbum com a música mais “diferente” que eles já fizeram visa deixar ao ouvinte a sensação de que novas mudanças ainda estão vindo, e que você nunca vai deixar de surpreender com quanto The Strokes consegue ser excelente. Então, se você ainda se pergunta porquê deve ouvir o mais recente trabalho dos Strokes, a resposta mais verdadeira é que todos deveriam conferir a genialidade da banda, que em um único álbum consegue te trazer sentimentos e sensações tão diversas e tão pessoais. Sinceramente, eu não acho que seja o melhor álbum da banda, Is this It continua invicto, mas a leveza, qualidade e, sobretudo, a ousadia com que a banda nos trás seu quinto CD mostra  como a experiência de investir quarenta minutos em 80’s Comedown Machine se mostra recompensante.

 

* Natural de Camacan, atualmente é estudante de Direito na Universidade do Estado da Bahia – Campus XV (Valença), é um apaixonado por bandas inglesas, séries e cinema

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